fevereiro 12, 2007

Entrevista com Paul Auster: ‘Esse país (EUA) fez muitas coisas terríveis para outras pessoas’

Em “Desvarios no Brooklyn” o senhor critica o governo Bush. É possível dizer que a história sobre a Confederação, presente em “Viagens...” também é uma crítica?

AUSTER: Não sei se é sobre Bush, mas sei que é sobre a história da América. Temos uma longa história. Esse país fez muitas coisas terríveis para outras pessoas. Nós praticamente destruímos a população nativa do território. Nós tivemos escravidão. São coisas das quais não devemos nos orgulhar. Ao mesmo tempo, porém, a América foi e ainda é, de certa forma, a nação que mais progrediu nos últimos séculos em diversos aspectos. Só que, nos últimos seis anos, com o governo republicano de Bush, pegamos outro caminho. E me parece muito difícil voltarmos atrás.

O senhor acha que os escritores têm a obrigação de participar da discussão política?

AUSTER: Um livro tem, em algumas situações, o poder de influenciar as pessoas. Mas na maioria das vezes não tem poder algum. Os escritores devem ser livres para fazerem o que quiserem. É disso que se trata a democracia. Não acho que a arte tenha que ser completamente ligada à política. Seria uma forma de arte muito enfadonha. Porém, isso não significa que cidadãos, individualmente, não tenham o direito, ou até mesmo a obrigação, de se expressarem.

Entrevista concedida a André Miranda, O Globo.

Entrevista com Paul Auster: ‘Elas (as pessoas) estão muito assustadas e confusas com o mundo moderno’

E como é viver nos Estados Unidos, com a onda do criacionismo e todas essas outras teorias religiosas?

AUSTER: É muito bizarro. A América foi fundada como um país secular. Era uma das bases do governo, era parte da constituição sobre a qual o país foi construído. Só que, agora, estamos num momento em que a religião ganhou mais importância na sociedade. Mas isso já ocorreu antes. É uma onda que vai e volta. Já foi muito forte nos primórdios do país, na Nova Inglaterra, no século XVII. Voltou nos anos 1840, com um grande revival religioso. O que estamos experimentando hoje é somente uma nova onda.

E por que as pessoas estão aderindo a essa onda?

AUSTER: Acho que elas estão com medo. Elas estão muito assustadas e confusas com o mundo moderno. Não estou falando de guerras ou terrorismo. Estou falando de capitalismo, consumismo. Estamos cercados por imagens, sons, sexo... coisas que confundem as pessoas. O que elas têm feito é se agarrar a idéias simples e fortes para organizar suas vidas. Não estou dizendo que estou de acordo que se faça isso, mas sinceramente entendo o porquê de as pessoas se apegarem às teorias religiosas.

Entrevista concedida a André Miranda, O Globo.

Entrevista com Paul Auster: ‘O autor, depois de alguns anos, deixa de existir. Os personagens, não.’

Durante a elaboração de um livro, seus personagens também parecem vivos? Eles buscam caminhos diferentes do traçado pelo senhor?

AUSTER: Sim, eles me surpreendem o tempo todo. Quanto mais eu os conheço, mais inesperadamente eles agem. O grande paradoxo é que um escritor é uma pessoa real. Ele vai ficando cada vez mais velho e, em algum momento, morre. O autor, depois de alguns anos, deixa de existir. Os personagens, não. Eles, que não existiam num primeiro momento, acabam vivendo além do escritor.

Homens de meia-idade, escritores, nova-iorquinos... A impressão que fica é que sempre há um pouco do senhor em seus personagens. O escritor sempre está dentro de seus personagens?

AUSTER: Eu sei que as pessoas lêem meus romances e acham que há semelhanças com a minha vida. O estranho, porém, é que meus livros de ficção não são nem um pouco autobiográficos. Eu já escrevi memórias, livros sobre fatos da minha vida. Mas meus romances são completamente imaginários. Todo mundo lá é imaginário. Muito pouco é baseado em fatos e pessoas que eu vivi ou conheci. Muito pouco é baseado em experiências próprias.

Em seus livros, é o acaso que guia os acontecimentos. Houve muitas coincidências em sua vida que o levaram até esse ponto da carreira?

AUSTER: Tudo parece ser um acidente. Em “The red notebook” (“O caderno vermelho”, inédito no Brasil) estão muitas histórias reais sobre fatos estranhos pelos quais eu próprio passei. A vida é muito imprevisível e posso dizer que coisas estranhas acontecem constantemente. O que faço é tentar transpor isso para minha ficção. Tento ser o mais honesto possível com a forma como enxergo o mundo.

Não é necessário dizer, então, que o senhor não acredita em destino...

AUSTER: Não, eu realmente não acredito em destino. Cada minuto de nossas vidas está aberto a questionamentos. As coisas podem mudar num instante e não conheceremos nossa história completamente até estarmos mortos. Não temos como dizer o que faremos ou onde estaremos no dia seguinte.

Entrevista concedida a André Miranda, O Globo.

Entrevista com Paul Auster: ‘Para mim, meus personagens são pessoas reais’

Primeiramente, parabéns pelo aniversário. E como é chegar aos 60?

PAUL AUSTER: Obrigado. Eu não sei bem. Acontece muito rápido. Parece que foram apenas 20 anos. É muito estranho. O tempo está acelerando.

É por isso que seus últimos protagonistas — Blank, de “Viagens no Scriptorium”, e Nathan Glass, de “Desvarios no Brooklyn” — também são mais velhos do que os protagonistas habituais?

AUSTER: Talvez seja porque estou começando a entender mais sobre esse período da vida. Você não consegue entender até chegar lá. As coisas mudam. Para mim, a idade mágica é os 50. Tudo começa a mudar aos 50. Seu corpo começa a quebrar ou falhar aos poucos, você não é forte e saudável como era. E uma coisa ainda mais importante do que isso é que muitas das pessoas que você amou ou com as quais se preocupou durante sua vida estão mortas. Você começa a caminhar por aí com vários fantasmas ao seu lado. Você começa a conversar com pessoas que não estão mais lá, quase tanto quanto com pessoas que ainda estão vivas. É uma experiência muito estranha.

Então é um sinal da idade que “Viagens...” faça referências a personagens de praticamente todos os seus livros anteriores?

AUSTER: Talvez sim. Para mim, meus personagens são pessoas reais. Sempre foram pessoas reais. Sei que soa estranho, mas eu acredito neles da mesma forma que acredito em alguém feito de carne, sangue e ossos. Eles vivem na minha cabeça. Até mesmo personagens sobre os quais eu escrevi há 20 anos, ainda penso muito neles. Volta e meia eles voltam à minha imaginação e, de certa forma, dialogam comigo.

Entrevista concedida a André Miranda, O Globo.